Certa feita, ainda criança, li o conto
“A roupa nova do Imperador”, de Hans Christian Andersen. Confesso que eu não
entendi muito bem o que o livro queria dizer, além do fato da idiotice do
Imperador ter o feito andar de ceroulas perante todo o reino. No entanto,
comecei a lembrar desse conto ultimamente, tanto que percebi que eu deveria ler
o livro novamente.
A estória de um imperador
“metrossexual” que gostava de se exibir em belos trajes para ser ovacionado
pela população sob seu governo, até que dois astutos vigaristas aparecem se
intitulando tecelões advindos de um reino longínquo e que eram capazes de
compor, em seu tear, o mais nobre dos tecidos. Todavia, apenas aqueles que
fossem dignos de seu cargo no reino e, além disso, não fossem bocós, seriam hábeis
de se deslumbrar ante a excelsa maravilha de tal tecido composto de fio de ouro
e seda pura – os mais caros insumos. Pura farsa! Como ninguém gostaria de
perder seu cargo, inclusive o Imperador, embora não vissem o tecido, ninguém
falaria nada (plano perfeito dos vigaristas).
Apesar de, como economista, eu já ter
solucionado esse Jogo enumeras vezes e saiba que o equilíbrio sempre será os vigaristas
fingirem que fizeram o traje e os nobres fingirem que enxergam os trajes do
Imperador; saltou-me, hoje, algo mais: Em nosso cotidiano, muitas vezes nos
deixamos levar pelas falas e opiniões alheias, mesmo discordando e não vendo
sentido para aquilo tudo. Acabamos por agir feito o tolo Imperador, seminu a
desfilar diante de todo o império.
Isso ocorre toda vez em que abrimos mão
de um princípio a contragosto, quando nos impelimos à prática de algo totalmente
inútil, vão ou, quem sabe, abominável a nossos próprios olhos. Em suma, sempre
que tivermos que defender nosso status
ou quando temos a oportunidade de alcançar um nível maior aos olhos de
terceiros, acabamos em nos tornar passiveis de cair na mesma arapuca que o Imperador.
Ainda mais nesse mundo novo de
aceitações onde tudo que é diferente é bom e tem que ser imediatamente aderido
de braços abertos, sem que haja a mínima reflexão sobre o que está, de fato
ocorrendo. Eu até aceito que todo mundo tem o direito de se expressar como
quiser, mas, isso não implica em eu me obrigar a conviver com o que considero
ruim na minha perspectiva.
Nossa sociedade chegou ao ponto que
sabiamente Hans Christian Andersen tentou advertir para que nos esquivássemos.
Atualmente, se um sujeito não é a favor de tudo, ele já é considerado
preconceituoso, discriminador maldito digno na forca… e essa sentença vale para
tudo, desde o sério debate machismo versus
não machismo, Michel Teló bom versus
é óbvio que aquilo não é música, PT versus
Inteligência (ops… não PT-istas, foi isso que quis dizer), Crentes versus não crentes, ou os mais polêmicos
como Direitos especiais para Negros, Índios, pessoas portadoras de
deficiências, movimento GLSBT.
Desde mais novo, sempre ouvi de meus pais
que para eu ser uma coisa não precisa que eu seja contra todas as outras.
Exemplo forte disso sou eu, maior fã dos movimentos de vanguarda no que meio
musical, ser tão próximo à pessoas que consideram que a verdadeira música de
qualidade foi feita nos anos 60 – 80. EU NÃO SUPORTO AQUELE TREM MAL TOCADO,
isso não implica que seja ruim, só quer dizer que não está no meu gosto… e só.
Minha orientação sexual nunca me impediu de fazer amizade com pessoas de
diferentes orientações… isso não quer dizer que eu tenha que mudar minha
orientação. No final das contas, todos nós somos pessoas que gostam de
conversar com outras pessoas.
Quando nós decidimos não nos assumir
como quem somos, nos tornamos como o Imperador, tolo tentando manter as
“aparências” e completamente infeliz por dentro. O mais estranho é que depois
de centenas de anos nos quais a sociedade tentara se desvencilhar dos laços o
politicamente correto, agora o que é moda é, justamente, a volta ao certinho.
Daí, saímos de casa todos os dias fingindo concordar com tudo, aceitar tudo e
respeitar tudo enquanto o que há por trás da linda máscara é a decepção pessoal
e a falta de respeito com nosso próprio eu.
Adam Smith, no seu não tão premiado
livro “A Teoria dos Sentimentos Morais”, adverte sobre algo muito interessante:
Nem todo egoísmo gera egoísmo. O então cientista parte do pressuposto que uma
vez que um agente for egoísta, esse vai procurar seu próprio crescimento e,
como todos na sociedade, até os preguiçosos, querem crescer também, começam a
copiar os passos do sobredito egoísta e, portanto, melhoram de vida. Nesse
sentido, o egoísmo foi altruísta. É óbvio que pela idade da obra de Smith temos
que procurar pensar de modo menos onírico. Prosseguindo, baseado no argumento
de Smith, pensei em dividir em dois àquele
grupo de entes que ele chamara: egoístas – a saber, egocêntricos e
originais.
Egocêntricos procuram se promover a
todo custo, inclusive passando por cima pessoas, como se fossem origamis. Por
esse motivo, ainda que consigam alguma fama, seu caminho não é tão almejado por
outros. Por incrível que pareça, nem todo mundo é sem escrúpulos o suficiente
pra sair pisoteando a todo mundo que o cerca em nome de uma incerteza. Na
verdade, a maior parcela da sociedade é muito avessa ao risco de perder tudo em
detrimento de uma probabilidade baixíssima de sucesso.
Já os originais não necessariamente
precisam se valer de métodos torpes. Desde a antiguidade, nós, humanos, damos
muita atenção às diferenças. Se negativas, logo nos compadecemos daqueles que
sofrem das mazelas, se positivas… fazemos um culto ao diferente, chamando-o do
que quisermos: líder, precursor, iluminista, iluminado, novo messias, alfa, etc.
(se tiver alguma dúvida disso, tente se lembrar do quão idiota você fica ao ver
um parente que acaba de chegar do exterior). Desse modo, começa o processo
visto por Smith… o Original ganha seguidores que o copiarão e se promoverão,
portanto.
Talvez o que não percebemos é que
quando todo mundo copia uma idiossincrasia, aquilo passa a ser normal, depois:
banal. Em todo tempo enquanto escrevo este texto, parece-me óbvio que o não são
as atitudes de alguém que o fazem visto. É a atitude de sair da bolha e se
assumir como é.
Admito já estar cansado de sair na rua
e ver as pessoas fingindo ser aquilo que, de fato, não são. Estou farto de
ligar a televisão e ver um bando de hipócritas atores globais (ô não!) fingindo
ter opiniões que, de fato, são escritas por românticos roteiristas. Não há como
ver essa situação e não me arremeter ao Imperador vestido de nudez desfilando
por seu reino enquanto os cínicos aldeões aplaudem à falsidade.
Não vejo problema quando as pessoas
passam a se aceitar, porque isso é bom. O problema, ao meu ver, está quando somos
forçados a cultuar ideais que, para nós, não fazem sentido algum, por medo de
dizer não. É absurdo que nos deixemos punir por razões e causas que não são da
nossa conta. Até que um dia, alguém sem nada a perder revela: isso é tolice…
não gosto disso… acho ruim. O mais interessante é o grau de fluidez do senso
comum que, depois de alguém ter dado a cara a tapa, passa a assumir que aquilo
é ruim… até que aparece alguém que gosta novamente, para fazer todo mundo
reconsiderar a opinião.
Sinceramente, não nasci nem fui criado
para ser o tolo Imperador, ou qualquer um de seus lacaios. Não fui feito para
aplaudir aos néscios e descabidos, pois, isso só me faria um deles. Prefiro
trabalhar em me tornar como a criança que ao final da estória diz: “Mas o
Imperador está sem roupas”. Não tenho complexo de herói ou de bom moço. Só
estou saturado de ver a sabedoria convencional tentando me fazer engolir lixo
como se fosse um banquete real.
Gustavo
HG Costa.